Isaac Abravanel, a mais célebre personalidade dos judeus portugueses, nasceu em Lisboa em 1437, oriundo de uma família da aristocracia judaica de Sevilha. Foi ministro da Fazenda de D. Afonso V e um eminente filósofo e exegeta da Bíblia. Servia a Coroa com o seu talento financeiro, sem nunca descurar o estudo das Sagradas Escrituras. Além dos estudos filosóficos, teológicos e bíblicos para os quais fora preparado pelo rabino de Lisboa Joseph Hayun, Abravanel conhecia bem a história e a filosofia grega e árabe. Sendo poliglota — além do português e do castelhano, falava o hebraico, o latim e o italiano — tinha acesso a diversos documentos e fontes. Do ponto de vista financeiro, conjuntamente com Guedelha Palaçano e Moisés Latam, deu também um importante contributo ao rei na guerra contra Castela. O auge da sua carreira política em Portugal ocorreu entre 1478 e 1481, tal como a sua fortuna. Pai de três filhos e duas filhas, e apesar dos seus múltiplos compromissos políticos e financeiros, Abravanel mantinha a sua obra exegética, nomeadamente, comentários aos primeiros profetas e uma leitura crítica de Maimónides. A sua residência tornara-se, assim, um centro de debates intelectuais e também de decisão dos assuntos mais importantes sobre o destino dos judeus portugueses, à cabeça dos quais fora colocado. Tudo isto acaba com a morte do rei D. Afonso V, em Agosto de 1481. O seu filho e sucessor, D. João II, muda radicalmente a política do seu pai em relação à nobreza, desferindo um golpe decisivo no poder dos grandes senhores feudais, limitando os seus poderes económicos e judiciais e centralizando-os na Coroa. Entre estes estava o duque de Bragança, detentor de um terço de terras portuguesas e de lugares-chave no poder do Estado. A amizade com duque deixa Abravanel numa situação desconfortável e decide, assim, sair de Portugal a caminho de Espanha. Em Maio de 1485, foi sentenciado à revelia por D. João II a «cruel morte natural, e tanto que fôr achado e havido nestes reinos, logo seja enforcado e morra na forca, e esteja nela para sempre». Homem de uma fé profunda, Abravanel interpretou esta tragédia como uma punição divina por descurar as Escrituras e dedicou-se intensamente à redação dos seus comentários bíblicos. Mas esse interregno não durou muito. Em meados de Março de 1484, foi chamado à presença dos Reis Católicos em Tarragona. Espanha estava ainda em guerra com o reino árabe de Granada e a Coroa precisava de fundos para a travar. Conhecendo a reputação de Abravanel como antigo financeiro do rei de Portugal, este passou a estar ao serviço dos Reis Católicos, reorganizando as finanças do Estado e gerindo as fortunas de muitos nobres de Espanha.
|
|
Em 1491, já se tornara agente financeiro da rainha, gozando da confiança dos dois soberanos, junto dos quais também era o porta-voz da comunidade judaica. Continuando a redigir os seus comentários bíblicos, Abravanel estaria longe de imaginar que um ano depois seria confrontado e envolvido numa das maiores tragédias do mundo judaico. As perseguições iniciadas em 1391 com conversões forçadas tinham-se agravado drasticamente com as leis de «Limpeza de Sangue» instituídas em 1449 e a instauração do Tribunal da Inquisição, em 1478, que já tinha levado conversos e judeus à morte pelo fogo em autos-de-fé. Apesar disso, e mesmo depois da tomada de Granada aos Mouros, em Janeiro de 1492, ninguém previa a decisão que os Reis Católicos iriam tomar e que seria o passo decisivo para a destruição do judaísmo ibérico: a 31 de Março desse mesmo ano, Fernando de Aragão e Isabel de Castela assinam em segredo o decreto de expulsão de todos os judeus dos seus reinos respectivos, assim como das outras possessões espanholas, como Maiorca, Sicília e Sardenha. A opção era o desterro ou o baptismo. Isaac Abravanel, em conjunto com o rabino Abraham Senior e outras personagens da elite judaica, tentaram anular a medida de expulsão. Junto da rainha, de quem era mais próximo, Abravanel procurou demovê-la numa audiência, posteriormente narrada no seu comentário ao Livro dos Reis, ao que a soberana terá respondido «Crêem que isto vem de nós? Foi Deus que colocou este desígnio no coração do Rei.». O Édito de Expulsão foi publicado a 1 de Maio de 1492, desencadeando o pânico entre a população judia, que ainda esperava a sua revogação. Muitos refugiaram-se em Portugal, outros dirigiram-se para o Império Otomano, outros ainda acabaram por converter-se. Os reis tentaram tudo para manter em Espanha, através da conversão, Isaac Abravanel, Abraham Sénior e o seu genro Meir Melamed, assim como os judeus mais preeminentes da comunidade. Mas Abravanel resistiu e decidiu acompanhar os seus irmãos de infortúnio a caminho do exílio. Portugal estava fora de questão depois de tudo o que se tinha passado. Partiu então para Itália, num longo périplo que terminou em Veneza, em 1503, vindo a falecer aos 71 anos em 1508. Em todos os pontos onde se fixou, com destaque para Nápoles, Palermo e Messina, Abravanel notabilizou-se sempre pela sua atividade quer como financeiro, quer como comentador bíblico e filósofo. Três das suas obras foram impressas e publicadas em 1505 em Constantinopla. À sua morte foi homenageado por parte das autoridades venezianas e pelas comunidades judaicas. Como escreve Roland Goetschel, «esta dupla homenagem reflectia bem a dupla vocação de um homem que soubera conjugar na sua existência, o particular e o universal, a política e a teologia, o pensamento e a acção».
|
|
|